Conexões Dispersas, Dispersões Conexas
(2010-2013)
[performance]
Lílian Campesato, Julián Jaramillo e Vitor Kisil [todas as fases]
+ Giuliano Obici e Alexandre Fenerich [primeira fase]
+ Fernando Iazzetta [terceira fase]
Trecho da dissertação de mestrado "Observações sobre o papel das ferramentas digitais na música experimental contemporânea brasileira", de José Guilherme Allen Lima (Missionário José), sobre "Conexões Dispersas, Dispersões Conexas":
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3.5 Conexões dispersas, dispersões conexas
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"É uma performance/espetáculo de realidade mista que explora a criação em tempo real de material audiovisual a partir da interação física. Uma performer sentada perante uma pequena mesa localizada no centro do palco realiza uma série de ações com objetos e imagens. Na mesa existem sensores que capturam seus movimentos e geram material sonoro e visual. Os sons e as imagens são processados e transformados em tempo real por outros dois artistas, gerando diferentes situações de diálogo entre os três integrantes. A obra já foi apresentada em lugares abertos, auditórios e espaços não convencionais, tem uma duração aproximada de 30 minutos e cada performance é construída a partir das condições específicas do local de apresentação."
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Conexões dispersas, dispersões conexas é o nome dado a uma peça criada a partir da colaboração coletiva entre os criadores Julián Jaramillo, Vitor Kisil Miskalo, Lílian Campesato, Alexandre Fenerich e Giuliano Obici, e suas primeiras apresentações acontecem no segundo semestre de 2010. A peça surge como um trabalho paralelo às atividades de Lílian e Vitor ligadas aos grupos MU.R.O. e Ao Cubo, responsáveis por Teia e Sonocromática nos anos anteriores, e às atividades de Alexandre e Giuliano ligadas ao Duo N-1, e seu surgimento está associado a uma investigação individual de Julián Jaramillo sobre ferramentas de computação visual" — entre elas, o software Eyesweb' — e seu uso no contexto de performances artísticas. Essa investigação é influenciada em parte pelo trabalho do artista Zachary Lieberman76 e possui relação com alguns de seus trabalhos anteriores, como o espetáculo Karaoke' , do coletivo colombiano El Salón de La Justicia.
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A associação entre os cinco criadores ocorre a partir de alguns encontros sediados na USP e de discussões continuadas a partir das experiências anteriores de performances envolvendo meios digitais, com um foco na ideia de criação coletiva de uma obra, em um processo que tem como catalizador algumas demonstrações das ferramentas exploradas por Julián. Visto pela perspectiva da relação com essas ferramentas, o processo criativo de Conexões... se inicia a partir do desenvolvimento de um dispositivo que consiste em uma webcam disposta sobre uma mesa, cujo tampo é projetado em uma tela que visa captar imagens da atuação de um intérprete neste enquadramento:
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"O único propósito [do dispositivo] é criar uma relação entre o que você vê presencialmente que acontece em cima da mesa e o que acontece na tela. O que acontece na tela não faz sentido se você não está vendo o que acontece na mesa, é uma relação complementar''.
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Dessa forma, as ferramentas desenvolvidas por Julián com Eyesweb surgem como um recurso que atende às demandas de elaboração da dimensão visual da peça, uma lacuna gerada após o desligamento de Andrei Thomaz e Francisco Serpa das atividades do grupo: "O Conexões, na verdade, surge disso, dos patches do Julián"79.
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A iniciativa de desenvolver uma performance associada à experimentação com esses patches se cristaliza a partir do envio de uma proposta de apresentação da peça, ainda no início de sua concepção, para a organização do primeiro Encontro Internacional de Música e Arte Sonora (EIMAS) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), momento no qual o título que dá nome à performance é criado a partir de uma sugestão de Giuliano Obici, seguida de um adendo de Vitor Miskalo:
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"Ele mandou por e-mail: 'Pessoal, o que vocês acham [do nome Conexões dispersas]? A gente precisa mandar em meia hora', aí eu respondi ao e-mail: Por que não dispersões conexas? Faz tanto sentido quanto.'. E aí mandamos com os dois nomes"".
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Este processo de escolha do nome revela, segundo o grupo, uma postura diferente em relação à elaboração conceitual da performance que caracteriza peças anteriores de seus participantes, como Teia, Sonocromática e mesmo Metaremix, desenvolvida em paralelo a Conexões..., no mesmo período. Nestas, há um conceito elaborado anteriormente que orienta a busca de soluções técnicas, ao passo que em Conexões dispersas, dispersões conexas a elaboração conceitual é desenvolvida a partir de uma possibilidade técnica, como forma de orientar outras etapas da criação coletiva".
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A peça, então, se estrutura ao redor da performance de Lílian Campesato à mesa-dispositivo, onde movimenta as mãos, manipula objetos e também interage com a sua superfície, coberta por um pano preto para facilitar o destaque visual dos elementos que em cima dela se movimentam. As imagens geradas são utilizadas com a biblioteca de recursos em Eyesweb, e ao dispositivo é posteriormente agregado um controlador simples com três botões — desenvolvido a partir de um teclado QWERTY modificado — utilizado pela intérprete para acionar, com os pés, três comandos diferentes de controle da imagem: carimbar, em que um frame82 de vídeo é congelado e permanece visível juntamente com as imagens que estão sendo geradas ao vivo; apagar, que apaga as imagens já "carimbadas"; e arrastar, em que diversos frames consecutivos são congelados, criando a impressão de que a imagem se arrasta pela tela. O desenvolvimento dos patches que gerenciam o processamento de vídeo e áudio é feito com base nas investigações da interação com a mesa-dispositivo, gerando possibilidades e ideias que passam a constituir pequenos trechos da performance, ou cenas, estruturadas a partir de diferentes estratégias de execução do sistema formado pela mesa-dispositivo e a projeção.
A conjunção da atuação da intérprete à mesa e da projeção e manipulação de imagens na tela possibilita o estabelecimento de algumas relações ambíguas, que também serão exploradas no desenvolvimento da parte sonora da peça, feita por Vitor Miskalo e Alexandre Fenerich. Nos primeiros estágios da criação, não há sons sendo produzidos pela intérprete, e torna-se necessário criar um repertório de sons e estabelecer relações destes com as atividades e os objetos manipulados na mesa, o que é resolvido pela combinação de métodos de síntese juntamente com o emprego de amostras sonoras. Um intercâmbio se estabelece nesta etapa e posteriormente ajuda a orientar conceitualmente o espetáculo entre a manipulação de um poliedro irregular de plástico com a aparência de uma pedra" e o emprego de amostras sonoras de pedras sendo arrastadas ou atiradas: o movimento realizado pela intérprete ao deslizar a pedra sobre a superfície da mesa sugere o uso dos sons, e a associação entre esse movimento e os elementos sonoros utilizados passa a orientar a forma como a intérprete vai deslizar o objeto sobre a mesa, à medida que as amostras sonoras são acionadas de modo a criar uma ilusão de que a fonte sonora é uma pedra sendo arrastada.
Estas relações ambíguas entre os elementos percebidos durante a performance também servem como orientação conceitual para outras escolhas no desenvolvimento da peça. Desde a estreia, elementos da paisagem sonora e visual dos locais onde a performance é realizada são registrados a priori — um processo que posteriormente também vai incluir sequências em vídeo — para integrar um repertório de amostras de som e imagem utilizados durante a apresentação, com as quais o público possua alguma relação prévia. A forma como essas amostras são utilizadas ao longo da peça reitera a ambiguidade dessas relações, como em um determinado momento da performance em que uma série de ações da intérprete revela na tela de projeção uma imagem daquilo que é coberto por ela.
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Esta também é a orientação que pauta a inserção gradual de recursos que permitem a captação de sons produzidos pela intérprete ao interagir com a mesa-dispositivo: para as primeiras apresentações da peça, acrescenta-se às amostras sonoras o uso de um lápis grafite, ao qual é acoplado um captador piezoelétrico semelhante aos modelos utilizados no rastilho de instrumentos de cordas dedilhadas. Esta é uma sugestão feita por Alexandre Fenerich a partir de alguns experimentos anteriores e estrutura uma das cenas em que a intérprete desenha com o lápis em uma folha de papel posicionada sobre uma tela de pintura.
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Dessa maneira, o gesto da intérprete ao desenhar torna-se fonte de material sonoro e visual, criando uma conexão entre ação, som e imagem que é imediatamente diluída por meio do processamento desse material e acréscimo de outros elementos. Ao longo do seu desenvolvimento, Conexões... flexibiliza os limites entre relações causais observáveis e a simulação dessas mesmas relações.
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Além da estreia da peça no EIMAS, o grupo ainda apresenta Conexões como parte dos espetáculos Comprimido" e Por trás das Coisas" em 2010, momento após o qual Giuliano Obici e Alexandre Fenerich deixam de participar da performance.
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Uma segunda fase é marcada pela preparação do trio remanescente para uma apresentação no 10° Festival Internacional de La Imagem, em Manizales, na Colômbia". Um novo ciclo de desenvolvimento e aprimoramento dos patches utilizados acontece, no qual novamente são as questões levantadas a partir da interação da intérprete com o sistema que vão orientar a busca por soluções técnicas. Uma das demandas dessa segunda fase é aumentar o tempo de duração da peça, que, em sua primeira fase, se desenvolve em um período de 15 minutos e eventualmente chega, pelo acréscimo de outras cenas e o estabelecimento de uma narrativa, a uma duração em torno de 40 minutos.
Como forma de compensar a diminuição no número de participantes, alguns dos processos realizados por Julián e Vitor passam a ser automatizados, e há uma preocupação maior em desenvolver um entrosamento na execução da peça, uma "rede implícita" de compartilhamento de dados entre os três intérpretes'.
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Um microfone condensador em miniatura, posicionado no pulso da intérprete, passa a ser utilizado em substituição ao captador piezoelétrico, em parte devido a problemas com ruídos de fundo gerados pelo captador, em parte para possibilitar o uso de outras fontes sonoras, como os sons produzidos pelo atrito das unhas da intérprete sobre a tela e também a partir da manipulação de outros objetos.
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Em termos cênicos, existe uma preocupação em evitar que os laptops utilizados para processamento de áudio e vídeo estejam em cena, o que nem sempre é possível devido às variações nas condições de apresentação da peça, mas que se constitui também numa escolha estética:
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"Quando [a peça] não é sobre o computador, não aparece o computador [...] a performance tá no palco, qualquer coisa que a gente [os intérpretes nos computadores] faça chama a atenção do público e não é sobre a gente [a performance]"".
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Um terceiro momento é observado quando o sistema executado por Lílian, Vitor e Julián é desvinculado da peça Conexões dispersas, dispersões conexas e se integra a um espetáculo intitulado Transparências", que também conta com a participação dos compositores-intérpretes Michelle Agnes, Rogério Costa e Fernando Iazzetta, que também desempenha a direção desse espetáculo. Integrado a Transparências, o sistema de Conexões... desempenha uma função semelhante à parte A em uma forma rondó, intercalando-se com outros momentos que incorporam outras explorações e momentos de improviso livre realizados por alguns dos intérpretes.
Do ponto de vista técnico, boa parte dos patches utilizados até então passa por uma revisão visando esse novo contexto, levando-se em conta necessidades diagnosticadas a partir da performance de Lílian com a mesa-dispositivo, o que inclui a experimentação com controladores adicionais que permitem acionar outros processamentos da imagem captada pela webcam além daqueles já integrados por meio dos pedais.
3.5.1 Observações
O primeiro aspecto que chama a atenção ao analisar Conexões dispersas, dispersões conexas é o fato de ser uma peça desenvolvida a partir de um dispositivo que apresenta caraterísticas semelhantes às de um instrumento musical, mas que não sugere um gestual físico associado a instrumentos tradicionais, tampouco gera sons per se. Em determinados momentos, a relação entre a mesa-dispositivo e sua intérprete assume contornos semelhantes aos da relação que um instrumentista possui com seu instrumento, como uma história de estudo individual para desenvolver um nível de expressividade através deste meio. No entanto, a mesa-dispositivo transcende essa relação individual para se configurar em um instrumento coletivo tanto no aspecto de sua execução quanto no aspecto de seu desenvolvimento, cujo output se manifesta em vários meios.
Esta característica técnica viabiliza a forma como a peça lida esteticamente com a ideia de ambiguidade, inspirada pela vontade de explorar o aspecto de mágica associado às tecnologias digitais. Partindo de que poderia ser chamado de um instrumento musical não-coclear90, o desenvolvimento da performance se propõe a negociar os limites da escuta acusmática — e também da prática do concerto acusmático — ao utilizar ferramentas de vídeo para reforçar relações sonoras: "a imagem permite escutar de outra forma'.
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O processo de recriação das relações desfeitas pelos deslocamentos acusmáticos se dá não pela reconstituição dos fenômenos originais, mas por meio desta dimensão mágica possibilitada pelas tecnologias de mediação. Ao longo do desenvolvimento da peça e da avaliação de suas performances, seus intérpretes-criadores observam que o sincronismo entre gesto, som e imagem per se não é o suficiente para a construção de sentido', e uma parte considerável dessas relações é recriada pela simulação e pela indução à percepção desse sincronismo.
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A abordagem dessa reconstrução de relações ambíguas parece se manifestar através da metáfora da impressão. O duplo sentido que o termo abarca — a impressão que se tem de algo, do ponto de vista perceptivo e cognitivo, e a impressão no sentido do processo técnico — se articula com os caminhos técnicos e estéticos da performance, no que as fronteiras entre ambos os caminhos também se mostram ambíguas:
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"Eu pessoalmente não consigo distinguir muito bem uma coisa da outra, para mim toda a questão do dispositivo, da rede, da interconexão que temos é um aspecto estético, mas há também outras preocupações [estéticas] que não passam pelos equipamentos'''.
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Esta indissociabilidade entre o técnico e o estético envolve inserir no contexto da performance a percepção pelo ponto de vista das ferramentas, levando-se em conta que a máquina ouve e enxerga de outra forma", e também introduzir no diálogo com as ferramentas outros aspectos da relação entre os intérpretes. A performance, tecnicamente, parte de um estágio em que a interação acontece em um nível pessoal, por meio da comunicação não-verbal entre os intérpretes humanos, para desenvolver o duplo computacional desta "rede implícita"" que está sempre estabelecida.
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Outra dimensão da relação com as ferramentas pauta o papel de Lílian como intérprete e seu envolvimento com a mesa-dispositivo, motivados por um desinteresse pela criação por meio da programação em Max/MSP ou outras GPLs e que orienta uma investigação pela performance física, contrária à demanda de que "todo mundo tem que saber programar'''. Em Conexões... o fluxo de influência se altera, pois é a atuação física da intérprete que orienta o desenvolvimento dos patches e do sistema utilizado na peça como um todo.
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O desenvolvimento desta disciplina e de uma intimidade com a mesa-dispositivo sugere um aspecto instrumental, ainda que se evite chamar o dispositivo de instrumento: "Não vou chamar de instrumento ainda, porque tem muitos problemas'. Assim, a mesa-dispositivo pode ser vista como protoinstrumento, metainstrumento, não-instrumento, instrumento coletivo — sugestões nas quais a ideia de instrumento é acercada, mas não alcançada —, mas o que parece defini-la como ferramenta é a sua exclusão de categorias precedentes.
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Nesse processo, a mesa-dispositivo se transforma em uma peça que, por sua vez, se transforma em um sistema que, finalmente, acaba se tornando mais relevante do que a peça que o originou. Ao serem transpostos para outro contexto, os limiares entre dispositivo, peça e sistema desaparecem, por estarem embutidos naquilo em que essa ferramenta se torna. Conexões..., nesse sentido, pode ser vista como um estágio de desenvolvimento da ferramenta, mais do que como parte de um repertório associado à ela: "Conexões... é um trabalho experimental, não sabíamos no que ia dar. [...] Transparências não é, eu não diria que é um espetáculo experimental, é uma mostra de resultados. É outra lógica'''.
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A diversidade de relações inerentes ao dispositivo permite que a performance seja vista como um evento transmidiático mais do que multimidiático. Segundo Miskalo, o sentido da peça se constrói a partir das relações criadas no momento da performance, entre som, gesto, imagem e o local em que ocorre: "Nada disso separado faz sentido'.
Este possível caráter transmidiático se articula com o fato de a performance buscar engajar o público em uma experiência do tempo presente, na qual ferramentas de memória assumem o papel de meios de criação — a articulação entre a atuação dos intérpretes e imagens, vídeos e sons pré-gravados revela um duplo aspecto dessas ferramentas. Essa articulação se revela de forma bem evidente na cena de abertura de Conexões..., em que Lílian reproduz uma imagem que já está sendo vista pelo público a partir de uma foto — e, no caso de algumas performances, já tinha sido vista em cartões com essa imagem previamente distribuídos pelos espaços ao redor de onde a performance acontece — e gradualmente sugere que o que está sendo visto pode ser ou não uma foto ou a transmissão simultânea de uma ação.
73 Texto de apresentação da obra disponível em: <http://www.eca.usp.br/mobile/portal/index.php?q=node/326>. Acesso em: 12 de junho de 2013.
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74 O termo faz referência ao campo de estudos em visão computacional, que abrange um conjunto de métodos e técnicas utilizados para identificar e extrair informações relevantes de imagens estáticas ou em movimento. Um resumo a respeito está disponível no verbete "Computer Vision" da Wikipedia: <http://en.wikipedia.org/wiki/Computer_vision>. Discussões mais profundas a respeito desse campo, assim como exemplos práticos, podem ser acessadas em SZELISKI, 2010, disponível em: <http://szeliski.org/Boold>. Acesso em: 29 de julho de 2013.
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75 Disponível em: <http://www.infomus.org/eyesweb_ita.php>. Acesso em: 29 de julho de 2013.
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76 Disponível em: <http://thesystemis.com>. Acesso em: 15 de junho de 2013.
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77 Disponível em: <http://julianjaramillo.net/proyectos/11/>. Acesso em: 15 de junho de 2013.
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78 JARAMILLO, J., informação pessoal em 13 de junho de 2013.
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79 MISKALO, V., informação pessoal em 28 de junho de 2013.
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80 MISKALO, V., Idem.
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81 JARAMILLO, J.; MISKALO, V.; CAMPESATO, L., informação pessoal em 28 de junho de 2013.
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82 Cada um dos quadros ou fotogramas que compõem um filme ou vídeo.
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83 Na verdade, trata-se de um modelo em miniatura da Casa da Música, em Porto, Portugal (MISKALO, V., informação pessoal em 28 de junho de 2013).
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84 Cf. item 3.2
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85 Apresentado nos dias 18 e 19 de outubro de 2010 no Teatro do Instituto de Artes da UNESP, com direção geral de Fernando Iazzetta, como parte do 4° Congresso & Festival Upgrade.
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86 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=V7hinDlbj1M>. Acesso em: 30 de junho de 2013.
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87 JARAMILLO, J., informação pessoal em 13 de junho de 2013.
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88 MISKALO, V., informação pessoal em 28 de junho de 2013.
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89 Apresentada pela primeira vez no dia 06 de abril de 2013, no auditório do CMU, com a participação de Michelle Agnes via internet, e sem a participação de Rogério Costa.
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90 O termo faz referência à elaboração sobre arte sonora não-coclear em KIM-COHEN, 2009, p. xxi.
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91 JARAMILLO, J., informação pessoal em 13 de junho de 2013.
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92 JARAMILLO, J.; MISKALO, V.; CAMPESATO, L., informação pessoal em 28 de junho de 2013.
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93 JARAMILLO, J., informação pessoal em 13 de junho de 2013.
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94 JARAMILLO, J., informação pessoal em 13 de junho de 2013.
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95 Idem.
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96 CAMPESATO, L., informação pessoal em 28 de junho de 2013.
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97 CAMPESATO, L., informação pessoal em 06 de abril de 2013.
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98 JARAMILLO, J., informação pessoal em 28 de junho de 2013.
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99 MISKALO, V., informação pessoal em 28 de junho de 2013.
Trecho da minha tese de doutorado "¿Música?: processos e práticas de criação e performance em um ambiente de pesquisas em sonologia" sobre "Conexões Dispersas, Dispersões Conexas":
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Conexões Dispersas, Dispersões Conexas (2010 - 2013)
Conexões, como costumamos chamar, pode ser vista como uma performance multimídia que já teve três fases distintas de desenvolvimento.
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A primeira ocorreu em 2010, onde a performance foi desenvolvida coletivamente por Julián Jaramillo, Lílian Campesato Alexandre Fenerich, Giuliano Obici e por mim. Ela foi apresentada no Encontro Internacional de Música e Arte Sonora (EIMAS), realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e no espetáculo Por trás das coisas (item 3.1.2). A segunda ocorreu em 2011 e o desenvolvimento ocorreu sem a participação de Alexandre Fenerich e Giuliano Obici. O resultado desta fase foi apresentado no ¿Música? 4, em três concertos na Colômbia (incluindo uma apresentação no Festival Internacional de la Imagen, realizado na cidade de Manizales) e na Mostra Live Cinema, no Rio de Janeiro. A última fase foi desenvolvida no final de 2012 e início de 2013 para o espetáculo Transparências (item 3.1.4).
Observando de forma mais ampla, percebemos que, embora já tenha sido uma performance bem estruturada, Conexões trata-se mais apropriadamente de um laboratório de experimentação artística montado ao redor de um sistema instrumental, desenvolvido coletivamente, para ser utilizado em situação de performance.
Não vou me aprofundar muito sobre as performances de Conexões[1] pois estas, principalmente em suas duas primeiras fases, já foram apresentadas por José Guilherme Allen Lima em sua dissertação de mestrado (LIMA, 2013: 107). Vou me concentrar mais na forma de trabalho realizada ao redor deste sistema instrumental que possibilitou a realização performática.
Em 2010, no início das preparações para o espetáculo Por trás das coisas, me reuni com Julián Jaramillo e Lílian Campesato para começar a planejar uma performance nova. Julián estava desenvolvendo alguns patches em um software chamado eyesweb[2], nos quais explorava algumas possibilidades visuais de um processo conhecido como blob tracking. Resumidamente, através deste processo torna-se possível programar o computador para identificar a forma, a dimensão e o movimento de pessoas e objetos em vídeos ou diante de uma webcam, em tempo real, através da detecção de variações nas características de contraste e cor de conjuntos de pixels.
Julián passou a demonstrar algumas possibilidades expressivas deste processo na criação de efeitos visuais que se assemelhavam a truques de mágica.
Desde o início, em Conexões, não havia uma proposta estética já definida para a elaboração de uma performance, ao contrário, por exemplo, de Teia e Sonocromática. Existiam apenas estas possibilidades expressivas de um sistema formado por uma webcam e um computador.
Logo chamamos para participar deste projeto Alexandre Fenerich e Giuliano Obici e, juntos, passamos a experimentar livremente as possibilidades oferecidas pelo sistema em longos ensaios sem objetivos bem definidos e delimitados.
Na busca por uma primeira apresentação da performance antes do espetáculo Por trás das coisas, enviamos uma proposta para o EIMAS e passamos a delinear diferentes cenas que formariam a performance, cada qual explorando uma possibilidade dos patches desenvolvidos por Julián. O nome do espetáculo surge neste momento e é proveniente dos jogos de relações que passam a ser explorados entre performance, imagens, objetos e sons.
Destas experiências surgiu o sistema formado por uma mesa, um suporte (que sustenta, acima da mesa, uma luminária - com controle de intensidade de luz via dimer - e uma webcam, voltadas para o tampo desta mesa), uma pedaleira de controle (com a qual Lílian Campesato, a performer, pudesse disparar os processos digitais) que se tratava de um teclado QWERTY hackeado para esta função, um monitor de vídeo (para que a performer pudesse ver as imagens sem ter que olhar para a tela de projeção) e um computador dedicado aos processamentos das imagens.
Os processos sonoros eram realizados por Alexandre Fenerich e por mim, de forma muito livre. Realizávamos basicamente um acompanhamento musical (através de processos de síntese, filtragem e manipulação de amostras de áudio) para os gestos realizados pela performer e para as imagens resultantes do sistema digital, que eram projetadas em uma tela posicionada ao lado da performer.
Uma exceção era na última cena, onde a performer gerava materiais sonoros para a performance através de dois métodos. O primeiro lidava com o uso de um lápis/grafite equipado com um captador piezo elétrico[3]. Os sons captados eram processados e geravam material sonoro para esta cena. Lílian realizou uma ampla pesquisa com diversos tipos de lápis e encontrou alguns modelos de grafite que geravam sons que consideramos mais interessantes. O segundo método envolvia um microfone sem fio preso no pulso da performer e, com isto, podíamos captar sons realizados pelas mãos dela interagindo com os materiais dispostos pela mesa e com uma tela de pintura que ficava sobre a mesa. Com estas experimentações, a mesa passou também a se comportar como um instrumento musical gerador de sons e, em apresentações posteriores, passamos a explorar mais estas características. No vídeo de Por trás das coisas[4], o primeiro método pode ser visto aos 8m25s e o segundo aos 9m40s.
Conexões, nesta primeira fase, tinha aproximadamente entre dez e quinze minutos de duração. Uma série de novas cenas foram desenvolvidas e incorporadas à performance na segunda fase, apresentada em 2011. Nesta fase, a performance chegou a ter entre quarenta e quarenta e cinco minutos de duração.
Nesta fase exploramos mais, durante os ensaios, as possibilidades da mesa como um instrumento musical e também do uso de referências da cidade e do local onde eram realizadas as apresentações. Realizamos, por exemplo, uma série de testes com vídeos e passamos a incorporar, em uma das cenas, um vídeo que era diferente a cada performance e que era capturado em algum local próximo ao teatro onde haveria a apresentação. Desta forma as pessoas reconheciam locais externos ao teatro, inseridos no contexto da performance.
Também procurávamos utilizar outros recursos para dialogar com a memória do público. Desde a primeira fase de trabalhos distribuíamos, antes do concerto, cartões postais impressos próximos aos locais da apresentação, apenas com a imagem que marcava o início da primeira cena (Figura 34). Outro recurso bastante utilizado, principalmente na fase de 2011, era o da utilização de sons que as pessoas pudessem reconhecer como locais. Na apresentação no Festival Internacional de la Imagen, em Manizales, por exemplo, utilizei uma gravação do discurso de abertura do festival, realizado pelo diretor geral, no dia anterior à nossa apresentação. Estas gravações também eram utilizadas na primeira cena, para marcar o início do concerto.
[1] Alguns fragmentos da performance podem ser encontradas na internet, como a versão do espetáculo Por trás das coisas, disponível em: <http://vimeo.com/19325469>. Acesso em: 31 de janeiro de 2014.
Há uma versão editada e com legendas, publicada por Julián Jaramillo, onde ele explica os processos realizados. Disponível em: <http://vimeo.com/20068868>. Acesso em: 31 de janeiro de 2014.
Há um teaser com a apresentação realizada no festival Live Cinema, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=M3ftrno3PJU>. Acesso em: 31 de janeiro de 2014.
Existe também fragmentos de uma apresentação realizada em Bogotá, que foi simultaneamente transmitida pela internet, via streaming. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=jMs1svwEKLQ>. Acesso em 31 de janeiro de 2014.
A primeira apresentação da turnê Transparências, realizada no SARC, pode ser vista integralmente na internet. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=p6OSAfbAUbk>. Acesso em 31 de janeiro de 2014.
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[2] Linguagem de programação orientada a objetos destinada a manipulação de vídeos em tempo real. Software livre e disponível em: <http://www.infomus.org/eyesweb_ita.php>. Acesso em: 30 de janeiro de 2014.
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[3] Como bem aponta Lima em seu trabalho (2013: 111), esta sugestão pelo uso do captador preso ao lápis foi feita por Alexandre Fenerich
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[4] Disponível em: <http://vimeo.com/19325469>. Acesso em 31 de janeiro de 2014.
Figura 34 - Imagem explorada na primeira cena de Conexões entre 2010 e 2011.
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Para Transparências, passamos a conectar em rede os computadores dedicados ao áudio e às imagens. Desta forma, a performer, que já controlava processos imagéticos, passou a controlar também procedimentos sonoros. Para isto, incorporamos também mais uma interface controladora Korg nanoKontrol (Figura 24) para uso da performer. Nesta fase, também substituímos a pedaleira controladora por um equipamento dedicado a esta função (Figura 36).
Figura 35 - Interpretação coletiva do sistema instrumental de Conexões Dispersas, Dispersões Conexas, em uma apresentação de 2011.
Figura 36 - Pedais utilizados na terceira fase de Conexões.
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O sistema digital de imagens passou a ser programado em Jitter, extensão do Max dedicado aos processamentos de imagem em tempo real, e não mais em eyesweb. Esta mudança de programas alterou um pouco o modo de funcionamento dos patches mas também permitiu outras explorações.
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A luminária utilizada no suporte para ficar sobre a mesa foi substituída nesta fase, por uma fita de LED, que, além de ser mais fácil de ser transportada, também não gerava calor como o modelo anterior fazia. A experimentação dos tipos de luminária também foi feita principalmente por Lílian Campesato. Esta questão da iluminação é especialmente delicada nesta performance por causa dos processos de blob tracking, que são diretamente afetados por variações da intensidade da luminosidade e também pelas variações das cores que cada sistema de iluminação favorece.
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Foi desenvolvido também um tampo para ser utilizado sobre a mesa, que pode ser visto na Figura 37. Este tampo, construído por Borys Duque, é basicamente uma caixa oca cujo interior funciona tanto como um espaço para o posicionamento de um microfone e do transmissor FM (vide item 3.2.4) quanto como caixa de ressonância para o uso da mesa enquanto instrumento musical, função explorada principalmente na cena sete do espetáculo.
Figura 37 - Lílian apresentando ao público o tampo e os dispositivos utilizados em Transparências após a apresentação na cidade de Seia, Portugal.
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Com o posicionamento deste microfone dentro da caixa, eliminamos o microfone preso ao pulso da performer.
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Deste modo o sistema instrumental chegou a sua forma atual para seus três intérpretes: performer - mesa, tampo com um microfone e um transmissor FM em seu interior, suporte com webcam e fita LED para iluminação, pedaleira e interfaces controladoras, cadeira onde é fixado o controle de dimer dedicado ao controle da intensidade da iluminação e um monitor de vídeo; controlador do sistema de imagens - computador, distribuidor de sinais de vídeo (splitter) e roteador de rede; controlador do sistema de áudio - computador, interface de áudio e interface controladora. Os dois computadores foram ligados em rede, de modo que a performer podia, com suas interfaces controladoras, manipular os processos de áudio e de imagens.
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Sobre este sistema instrumental passamos a nos dedicar intensamente nos ensaios, que, como já apresentamos anteriormente, chegaram a ser praticamente diários nos meses que antecederam a turnê.
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A cena dois do espetáculo (que se inicia aproximadamente aos 5m30s do vídeo publicado na internet[1]) é a cena que explora todas estas relações em mais detalhes e que se torna mais perceptível a inter-relação entre performance, sons e imagens.
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É possível observar como as imagens dos objetos que estão sobre a mesa são manipuladas pelo sistema instrumental e como os sons acompanham intimamente estes processos, principalmente na parte que envolve o uso de pequenos sinos.
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Nesta parte são utilizados principalmente os recursos técnicos chamados por nós de carimbos (onde a imagem do objeto é carimbada na tela de projeção), arrastes (onde ocorre uma série de carimbos sequencialmente, criando um rastro da trajetória do objeto) e giros (onde as imagens dos objetos giram em seu próprio eixo ou ao redor do centro da tela).
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A cena quatro faz uso de outros processos, particularmente um que chamamos de revelar, no qual uma folha de papel posicionada diante da webcam revela, na tela de projeção, vídeos pré-gravados. Esta cena pode ser acompanhada no vídeo publicado na internet, e tem início aos 20m10s.
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A cena sete explora outras funções de vídeo e o uso da mesa como instrumento musical. São gravados pequenos fragmentos de vídeo que são lidos de duas formas distintas: o primeiro, onde o vídeo é reproduzido normalmente até o final e depois de trás para frente (isto ocorre em loop); e o segundo em que as imagens são lidas de forma aleatória seguindo um processo chamado drunk.
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O áudio acompanha o vídeo nestes processos, em um patch desenvolvido por mim. Sobre estes processos é realizado, por Fernando Iazzetta, um processamento sonoro dos sons acústicos gerados pela performer na mesa.
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Esta cena tem início aos 37m45s do vídeo publicado na internet.
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Em relação aos patches utilizados por mim para realizar a dimensão sonora do espetáculo, além de desenvolver patches específicos para as novas cenas, também utilizei as ferramentas desenvolvidas para as performances Teia e Sonocromática, como Loopa (item 3.2.2).
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Isto demonstra que estas ferramentas, ao mesmo tempo em que eram uma espécie de partitura para as performances específicas (através de suas características de programação), também eram sistemas instrumentais que podiam ser utilizados em situação de performance. Tais sistemas manifestam uma série de pensamentos e adoções que fui realizando ao longo destes anos neste ambiente de pesquisas em sonologia e são versáteis o suficiente para ser utilizados tanto como ferramentas de criação (delimitando, direcionando e potencializando possibilidades expressivas), quanto como ferramentas de performance musical.
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Toda a versatilidade do sistema instrumental, desenvolvido através de anos de experimentações coletivas ao redor do conceito de Conexões Dispersas, Dispersões Conexas, é o que me faz observá-lo como um sistema instrumental desenvolvido e tocado coletivamente.
No próximo capítulo vamos aprofundar este pensamento ao realizar uma série de reflexões sobre as profundas relações existentes entre os músicos e suas ferramentas instrumentais.
[1] Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=p6OSAfbAUbk>. Acesso em 31 de janeiro de 2014.